A questão do aborto tem sido de tal modo debatida que até me dá vómitos cada vez que ligo a TV e se está a falar disso. Pergunto-me sinceramente se com esta conversa toda terá havido alguém que tenha mudado a sua opinião.
Ainda não tinha comentado isto aqui e até estava para não comentar. Mas como está na moda (e eu sou um gajo de modas, ui se sou!) e, para além disso, eu hoje estou somente nauseado e a precisar de ajuda para vomitar, decidi também deixar algumas palavras sobre este assunto.
Sou a favor da liberalização e nunca o escondi. Acho preferível a mulher abortar numa clínica preparada para o efeito e com condições de higiéne do que se mantenha a situação actual. Os abortos vão sempre existir e não vai ser uma lei proibitiva que os vai acabar. Até parece que as mulheres abortam por prazer, parece fácil... Então bora lá metê-las em cadeias, essas assassinas sádicas! Ah esperem... A lei existe mas não se aplica... Faz sentido, há coerência... Há que manter uma lei não porque se aplica mas porque sim. Porque é preferível manter o clima de acusação e criminalização de quem aborta (a mulher que decide abortar já sofre pouco com o processo em si, então o melhor é mesmo obrigá-la a fazê-lo às escondidas, em condições degradantes e chamar-lhe criminosa. Ajuda muito...). Porque é preferível que as mulheres pobres continuem a abortar em condições precárias e muitas vezes sujeitando-se ao risco de morte ou à impossibilidade de voltar a ter filhos. Grande lei, sem dúvida...
As incoerências irritam-me um bocado. Curiosamente, os defensores do "não" estão na maioria ligados a ideologias de "direita". Os mesmos senhores que defendem os "patrões", que apoiam leis que tornam as condições dos trabalhadores cada vez piores, são aqueles que se preocupam tanto com "o direito à vida". Direito à vida? E o direito a condições de trabalho que permitam às mães (e aos pais também!) cuidar dos seus filhos como deve ser? E o aumento dos salários e subsídios para que não falte nada às crianças e para que os pais não tenham que trabalhar em dois sítios ao mesmo tempo para as sustentar? Sim, porque é importante que os pais passem tempo com os filhos. E lhes dêm condições. E sinceramente, isso é bem mais importante do que esta questão de criminalizar as mulheres que praticam o aborto. Senhores que de manhã mandam despedir x empregados, reduzem os salários e as regalias dos que ficam e à noite vêm falar das "pobrezinhas das criancinhas", não obrigado! Faz-me lembrar a velha história do vendedor de droga que todos os domingos vai à missa...
Mas vou mais longe. Se uma namorada minha engravidasse por alguma falha no método contraceptivo, eu não teria qualquer problema em apoiá-la num aborto caso fosse essa a decisão dos dois. Da mesma forma que se ambos achassemos estarmos preparados para assumir um filho, também o faria.
Sinceramente, já que falamos em questões de "vida", custa-me muito mais ouvir aquelas histórias de pessoas que enterram ninhadas de cães ou gatos, do que ouvir falar num aborto quando feito nas primeiras semanas. Sim porque os animais não têm propriamente culpa de se reproduzirem, é a natureza deles, só seguem o seu instinto. E que fazem os políticos em relação ao direito à vida por parte dos animais? Mais, em relação às condições com que são tratados em aviários, laboratórios, estábulos, pocilgas, etc... Que preocupações há em relação a isto? E a Igreja? Ah esperem, para a Igreja os animais são seres menores. É bem, não há nada como uma visão egocêntrica em relação à espécie humana. Somos superiores, o resto que se lixe...
Ambos os lados têm as suas razões. E com a sociedade tão dividida eu considero que nenhuma das partes deveria obrigar a outra a ceder nos seus valores. A verdade é que esta lei faz com que os apoiantes do "sim" sejam obrigados a abdicar dos seus valores e a seguir os valores dos apoiantes do "não". Já o contrário não se verificaria com a despenalização... Pois, uma vez despenalizado o aborto, ninguém seria obrigado a abortar.
Aproveito ainda para deixar o link para um artigo do meu amigo Slinkman, que subscrevo ->
http://chapeude3bicos.blogspot.com/2007/01/tons-de-cinzento.html