Vários caminhos levam a que os sentimentos acabem, desde o desgaste até ao aparecimento de novos sentimentos que substituem os antigos. Eu diria que na maioria dos casos o fim de um sentimento se deve ao aparecimento de um novo. Porém vou-me debruçar sobre um outro caminho, bem mais penoso, que leva a que um sentimento se destrua por completo.
Conhecemos uma pessoa, sentimos uma afinidade, uma atracção, uma química que não sabemos explicar. Aproximamo-nos e vamo-nos apercebendo de que é mútuo esse borbulhar de um novo sentimento. Até que chega o momento de verbalizar esse interesse com os consequentes receios e dúvidas acerca de tudo. Se do outro lado sentimos reciprocidade sentimos um alívio, uma alegria mesmo que pulvilhada de dúvidas. Inicia-se então aquela fase inicial em que ambos procuram todos os momentos para estar com o outro, descobri-lo, deixar o sentimento crescer. É como uma febre esquisita, sentimos aquela alegria adolescente de uma nova paixão.
Passa-se a uma nova fase, a do começar a definir o sentimento e o decidir do que queremos fazer com ele. Ainda numa fase de "febre" e num estado em que nos sentimos tão bem e tão realizados, começamos a sonhar com algo mais, com um estabilizar das coisas, com um assumir do sentimento na sua plenitude. E sonhamos... Imaginamo-nos daqui a 100 anos, felizes, completos. O que pode correr mal? Nada! Se estamos tão bem, se nos sentimos tão bem, se do outro lado sentimos que há também esse bem-estar como poderá algo impedir o estabilizar do sentimento?
Este momento é crucial. Pode ferir de morte o sentimento ou estabilizá-lo bastante ficando o resto da relação dependente da forma como as pessoas se relacionam (sem que haja interferência das fragilidades e receios pois o sentimento está estável ficando dependente apenas da ligação que o casal estabelece entre si). E se um dos lados hesita? Se duvida? Se fica preso aos medos?
Desilusão... Aquele sentimento que achávamos mútuo já não nos parece que o seja. E pensamos "O que falhou?", "Porquê?". Se tudo parecia ter um sucesso fácil, agora aparece-nos como algo cheio de entraves. As dúvidas matam-nos, "Se duvida é porque não gosta como pensávamos", "Se duvida é porque não se sente tão bem como achávamos", "Se duvida é porque não sonha em ser feliz ao nosso lado como nós sonhamos ser felizes ao lado dessa pessoa". Choque... Sofrimento... Dor... Não há nada que nos fira tanto como uma desilusão. É um corte incisivo na alma, como um ataque terrorista dentro do nosso coração. As bombas explodem sem que esperássemos, sem avisar. Abalam os sonhos. Abalam a alma...
E agora que fazer? A tendência é quase sempre "vamos ver no que dá". E continuamos ali, perto, na esperança de que a outra pessoa se aperceba de que é aquilo que realmente quer. Mas o tempo passa e mói. Corrói-nos por dentro. Junta-se às dúvidas da outra pessoa e fragiliza-nos. Abate-nos. Tudo se começa a alterar. Quanto mais o tempo passa maior é a nossa fragilidade. Maior é a ansiedade. Maior é a vontade de que possamos voltar a sonhar com a felicidade.
O tempo de indecisão destrói. Cada vez temos mais dúvidas acerca dos sentimentos da outra pessoa. Começamos a achar cada vez mais que lutamos sozinhos. Ficamos sempre na dúvida acerca do que o outro diz e faz. "Estará só a dizer isto para não me ferir?". "O que significou aquela frase, aquela palavra?". "Será que ainda se sente bem connosco?". E do outro lado cria-se um medo: o medo de nos magoar, o medo de nos fazer sonhar novamente havendo dúvidas. E a outra pessoa começa a condicionar o que diz e faz por ter receio de dar a entender demasiado, por ter receio de dar esperança. Afasta-se de nós, fica mais fria.
E perante este afastamento, qual é a nossa reacção? Mais dúvidas e receios. "Se se afastou é porque já não sente o mesmo que sentia.". "Já não procura fazer-me sentir feliz.". "Se tinha dúvidas e se se afastou é porque deve começar a ter certeza de que não é isto que quer.". E mesmo que a outra pessoa continue a sentir-se bem connosco, continue a gostar de nós, não acreditamos. E como poderíamos acreditar? Se não o demonstra, se não o transmite, se está mais longe, como poderíamos acreditar fosse no que fosse?
Chega uma altura em que sentimos necessidade de deixar de tomar iniciativa. Em que precisamos de voltar a sentir interesse do outro lado. Em que já não conseguimos mais sentir que lutamos sozinhos. Lutar para quê? Se nos demos, se nos entregámos, se tentámos e só nos parece que o outro se afastou para quê insistir? Então simplesmente baixamos os braços e esperamos que venha o outro dar-nos força para os levantar novamente.
Deixamos de tomar a iniciativa em ser queridos. Deixamos de conseguir brincar da mesma maneira. Vamos começando a perder a vontade de estar ali, de falar, de ver. Como poderíamos ter a mesma vontade se sentimos que somos só nós quem ainda se sentia verdadeiramente bem ali?
E do outro lado se havia dúvidas, estas aumentam. Vêem alguém que já não tem a mesma força. Alguém que já não consegue brincar da mesma maneira. Alguém que deixou de os fazer sentir tão bem como já se sentiram antes. E duvidam mais. E investem menos, pois se duvidam mais, maior é o medo de dar qualquer tipo de esperança. É tudo um processo de degradação totalmente interligado. Nós que esperávamos que o outro nos desse um motivo para lutar, ao apercebermo-nos que não o faz, ainda lutamos menos. O facto de investirmos menos faz o outro sentir-se menos bem connosco e tudo se vai degradando e degradando e degrandando e degrandando...
Até ao dia em que estamos de tal maneira cansados de tudo e algo muda. Seja pelo aparecimento de um novo sentimento. Seja por as coisas se terem degradado a um ponto sem retorno. Seja porque do outro lado o afastamento abriu uma barreira intrasponível e a esperança morreu para sempre. Seja por que motivo for. Um dia acordamos e a história acabou. Apercebemo-nos que estamos a perder tempo, que estamos a desperdiçar o bom que a vida tem para nos dar, que não estamos a viver sequer. E tudo muda. Apercebemo-nos que alguém que duvida do que sente por nós não merece que sintamos o que sentimos. Apercebemo-nos que só poderemos ser felizes num sentimento mútuo em que ambos os lados lutem. Apercebemo-nos de que já não vale mais a pena viver nesta situação. Apercebemo-nos de que temos tanto para dar e que há algures alguém que realmente merece que nos dêmos. Apercebemo-nos de que merecemos quem nos Ame realmente, quem nos dê e retribua na mesma proporção do que nós damos. Apercebemo-nos que afinal a vida não acabou com o fim deste sentimento, muito pelo contrário, a vida começa no fim dos sentimentos que não nos deixam viver.
Um dia mudamos. Um dia o sentimento morre de vez.
Raramente nos apercebemos mas se olharmos para trás e analisarmos tudo o que se passou vemos que as coisas só funcionavam realmente, que o sentimento só nos completava quando ambos estavamos numa fase de igualdade em que lutavamos por um objectivo comum. Ambos só se sentiam completos quando a vontade de estar ali era superior aos medos. A partir do momento em que um dos elementos se retrái é impossível sentirem-se tão bem como sentiam. Só nos sentimos completos quando damos e recebemos. Se não recebemos ou se nos deixamos levar pelo medo de dar, jamais conseguiremos sentirmo-nos tão bem como sentíamos quando ambos dávamos e recebíamos. Quem hesitou, um dia olha para trás e apercebe-se finalmente de que se as coisas não resultaram foi por culpa sua, porque se deixou levar pelo medo de dar, porque deixou de dar como dava e isso condicionou totalmente a forma como o outro se dava. As coisas só vão ao sítio, só podem funcionar quando ambos se dão. Todos temos dúvidas, quando partimos para uma relação nova não fazemos ideia se vai resultar, se é aquilo que realmente queremos. E se as personalidades se revelam incompatíveis? E se afinal o outro não é quem parecia ser? Como poderemos ser feliz ao lado de uma nova pessoa havendo ainda sentimentos por resolver? Ninguém adivinha o futuro e estas dúvidas passam pela cabeça de qualquer pessoa que inicia uma relação. O erro é permitir que essas dúvidas condicionem o investimento que fazemos. Se a outra pessoa nos completa tanto, se nos faz sentir tão bem, para quê estragar isso? O caminho para a felicidade não é um caminho fácil. É um caminho cheio de obstáculos, dúvidas e medos. É um caminho que só se faz a dois.
Se se querem sentir bem e completos dêem. É a única forma. Dar para receber para conseguir voltar a dar. É um ciclo vicioso. Quem hesita em dar recebe menos, ao receber menos mais hesita em dar logo menos dá, and so on... Quem dá recebe mais, ao receber mais tem mais vontade de dar ao ter mais vontade de dar dá mais, ao dar mais recebe mais...
Para quem dúvida do que tem e do que quer ter experimente dar contornando os medos. Experimente arriscar não ter medo de dar. A solução está somente em vós. Para ter o que se procura tem que se agir de encontro a isso, a felicidade não aparece enquanto estivermos parados com medo de lutar por ela.
Para quem se sente fragilizado, dêem enquanto tiverem forças e afastem-se quando deixarem de o ter. Não se mantenham na tortura. Afastem-se enquanto tiverem a certeza de que deram sempre o melhor de vós, não deixem chegar à fase de esperar que seja o outro a dar. Dêem até já não conseguirem mais e então afastem-se, custe o que custar, doa o que doer.
Com dúvidas ou sem dúvidas, qualquer que seja a vossa posição acreditem sempre que um dia todos seremos felizes sem excepção.
Quero mandar um beijo e um abraço especial às pessoas desiludidas com quem tenho conversado, que têm partilhado comigo os seus medos, as suas frustrações. Obrigado por me fazerem compreender melhor tanta coisa...