Todos os dias me indigno
E trabalhamos, trabalhamos. Cada vez com menos condições e com a sensação que fazem passar de que já é uma sorte termos emprego. Isso irrita-me. Enerva-me solenemente quando me dizem "não te queixes que tens muita sorte em ter emprego sequer!". Como se ter emprego fosse um favor que me fizessem, como se por ter emprego tivesse que aceitar tudo e não devesse sequer manifestar-se. Como se quem me dá emprego fosse um deus a quem deveria orar todas as noites antes de dormir ou agradecer antes das refeições.
Mas mais que isto tudo, dá-me vómitos saber que existe quem aceite sujeitar-se às condições mais degradantes para ter um emprego. Vejo colegas meus a fazerem voluntariado em hospitais (na esperança de depois serem contratados) e pergunto-me se não virão que estão somente a ser usados pelo sistema e que em alguns casos é precisamente pelo facto de haver voluntários que não são contratadas mais pessoas. Será que não percebem que trabalhar sem serem pagos, sem terem quaisquer direitos é no fundo uma escravidão consentida? Para quê? Para depois ficarem atrás das cunhas nos concursos? Para conseguirem obter um contrato de 3 meses e depois irem para a rua?
Enoja-me esta politica de toda a gente ser dispensável apenas porque há mais gente para o lugar. A verdade é que esta não é uma política de mérito. Deixou de ser importante ser-se bom e passou a valorizar-se quem se cala, quem não luta pelos seus direitos, quem apoia o sistema nem que seja com o seu silêncio. Os direitos que temos são cada vez menos e nem o facto de estarem escritos em lei impede que sejam diariamente ignorados. Nunca me esquecerei de quando pedi o estatuto de trabalhador-estudante. Tencionava eu ter aquilo a que tinha direito por lei quando fui chamado, juntamente com os meus colegas, para falar com o director. Foi-nos dito que, como contratados, se quisessemos pedir o estatuto o poderiamos fazer mas que na altura da renovação dos contratos poderia não interessar à instituição fazê-lo uma vez que poderiam contratar para o nosso lugar enfermeiros que não estivessem a usufruir dessas regalias (redução de horário, horário compativel, dispensa para dias de exame, etc...). Fomos então "avisados" e demovidos a pedir algo a que temos direito por lei. Pensava eu que o que interessava aos serviços era pessoal com mais formação... Puro engano. O que interessa é pessoal barato e com o mínimo de regalias possivel. Se for mais formado, óptimo... desde que isso não traga qualquer encargo à instituição ou a instituição não tenha que ceder uma hora sequer para que esses profissionais se formem.
Estou farto de políticos. São uns mentirosos. A verdade é que há nas leis formas de incentivar as pessoas a se formarem, porém as leis não são seguidas. Há nas leis forma de acabar com a precaridade contratual pela qual passam (e se mantêm, sem fim à vista) os profissionais. Mas são os próprios ministros quem dá indicação e proíbe que essas soluções sejam usadas. Metade da minha equipa está a contrato e mesmo assim temos falta de pessoal e andamos sobrecarregados (a acumular horas que não são pagas e com um ratio de 1 enfermeiro para 30 doentes). Se somos precisos por que raio não hão-de dar-nos um vínculo estável à instituição? Simples... Porque em comparação com um colega de quadro eu tenho menos 6 dias úteis de férias (podendo chegar a 11 dias úteis caso os meus colegas tirem férias apenas em época baixa), não tenho subidas de escalão (o meu ordenado não é actualizável), não tenho direito a estatuto de trabalhador-estudante (tenho só em teoria) e o facto de estar a contrato mantém sobre mim a constante pressão de poder ficar sem emprego a qualquer momento mesmo que seja um profissional exemplar.
Estou farto destes governantes de merda. O dinheiro que é gasto em campanhas políticas, nos deslizes orçamentais das obras públicas, nas reformas absurdas de políticos e amigos, nas viagens dos políticos, nos desvios e corrupção das câmaras municipais... dava certamente para permitir aos jovens terem empregos e vidas estáveis, podendo preocuparem-se mais em viver e usufruir uma vida que é cada vez menos vivida.
Todos os dias me indigno.